quarta-feira, 18 de julho de 2007

O Mein Kampf manipulado?

Der Spiegel

por David Gordon Smith

- Um importante historiador quer que o Mein Kampf volte a ser publicado na Alemanha. Questões de copyright mantiveram-no fora das prateleiras desde a Segunda Guerra Mundial, mas em 2015 entrará em domínio público. Então, qualquer um terá permissão para imprimi-lo -inclusive os neonazistas.

É considerado sem dúvida o livro mais controverso do século 20. De fato, o polêmico Mein Kampf, de Adolf Hitler, não foi legalmente publicado na Alemanha desde o final da Segunda Guerra Mundial. Muitos estão preocupados que o volume irascível possa se tornar uma espécie de escritura para extremistas da direita.

Agora, entretanto, um historiador de Munique pediu que fosse republicado na Alemanha - como uma estratégia contra os neonazistas que podem querer abusar do texto para seus próprios propósitos.

Horst Möller, diretor do Instituto de História Contemporânea em Munique, gostaria de ver um Mein Kampf na forma de uma edição acadêmica com notas de rodapé explicativas. "Enquanto não houver uma edição cuidadosamente anotada do Mein Kampf, não haverá fim para as especulações freqüentemente simplistas sobre o que de fato está no livro", disse Möller em entrevista publicada na segunda-feira no jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung. "Uma edição acadêmica poderia romper o mito peculiar que cerca Mein Kampf".

Disponível no exterior o livro, escrito enquanto Hitler estava preso por tentar tomar o poder no Beer Hall Putsch, em 1923, foi originalmente impresso em 1925. Nele, o futuro ditador estabelece sua visão de mundo e ideologia nazista, misturada com detalhes autobiográficos e tiradas contra judeus e outros grupos. O livro é facilmente encontrado em vários países, inclusive no Reino Unido e nos EUA, mas não pode ser publicado na Alemanha.

Ao contrário do que se pensa, o livro não foi proibido na Alemanha. De fato, o copyright é do Estado da Bavária, que recebeu os direitos da principal editora do partido nazista Eher-Verlag - incluindo Mein Kampf - após o final da Segunda Guerra como parte do programa dos Aliados para acabar com o nazismo. Como detentor do copyright, o Estado, desde então, se recusou a permitir a publicação do livro, alegando que promoveria extremismo de direita. O Ministério de Relações Exteriores alemão também recomendou repetidamente que o livro não fosse publicado, por medo de danificar a imagem da Alemanha no exterior.

Möller disse que pediu repetidamente ao Ministério das Finanças da Bavária, que controla o copyright, permissão para produzir uma edição acadêmica, mas sempre recebeu negativas. O governo do Estado no passado tomou ações legais contra tentativas de publicar o livro em outros países, como na Suécia em 1992 e na Polônia em 2005.

Sem copyright, o Estado não conseguirá manter essa situação por muito tempo. Em 2015, 70 anos após a morte do autor do livro, Adolf Hitler, o direito expirará, de acordo com a lei padrão de copyright - e nesse ponto qualquer um poderá publicar Mein Kampf.

"Haverá suficientes editoras que vão querer vendê-lo com o inevitável sensacionalismo", disse Möller, que argumenta que seria melhor produzir uma edição anotada explicando por que Hitler estava errado agora, em vez de esperar por uma enchente de edições comerciais não comentadas.

Entretanto, o Ministério das Finanças da Bavária está mantendo sua palavra, ao menos por enquanto. Em declaração dada ao Spiegel Online, na terça-feira (17/07), o ministério disse que ia continuar a impedir a publicação do texto controverso. "Em termos de administração dos direitos (da Eher-Verlag), o Estado da Bavária tomou uma posição restritiva nas últimas décadas", disse a porta-voz Judith Steiner por e-mail. "A permissão não é dada para a publicação de obras completas, nem na Alemanha nem no exterior, com a intenção de impedir a distribuição da ideologia nazista."

A declaração acrescenta que a posição do Estado se baseia na "responsabilidade e no respeito pelas vítimas do Holocausto, para quem a republicação sempre representaria uma afronta... ao seu sofrimento."

Diferentemente de Möller, o Ministério de Finanças da Bavária não acredita que a edição acadêmica anotada seja útil. " é possível para os historiadores que quiserem tomar uma abordagem crítica da obra fazerem isso por meio da literatura anotada que foi publicada", diz a declaração.

Fora dos trilhos outros acadêmicos igualmente não estão convencidos que a republicação do livro seja desejável. "Acho a idéia absurda", disse Wolfgan Benz, diretor do Centro de Pesquisa para o Anti-semitismo em Berlim, na terça-feira. "Como você pode anotar um monólogo de 800 páginas expondo a visão de mundo insana de Hitler? Depois de cada frase, você teria que escrever: 'Hitler errou aqui' e depois 'Hitler está completamente fora dos trilhos aqui' e assim por diante."

O argumento que é melhor imprimir uma edição acadêmica agora do que esperar edições sensacionalistas não se sustenta, diz ele. "Os neonazistas e extremistas da direita publicarão de qualquer forma quando o copyright expirar", diz ele. "E ninguém vai comprar uma edição acadêmica de centenas de euros se puder pegar uma edição barata de uma editora de extrema direita por um par de euros."

Ele salienta que o livro está disponível em sua forma completa em lojas de segunda mão, bibliotecas e on-line - e muitas famílias ainda têm cópias. "Quem quiser, pode lê-lo", disse ele. "O texto não desapareceu."

Salomon Korn, vice-presidente do Conselho Central de Judeus na Alemanha também sente que o livro não deve ser publicado até 2015, quando entra no domínio público. "Para mim, o principal é levar em consideração os sentimentos dos sobreviventes do Holocausto", disse. "É inaceitável que tal trabalho simbólico seja publicado com o selo de aprovação do Estado enquanto estiverem vivos sobreviventes que sofreram diretamente sob os nazistas. Criaria uma sensação muito ruim para eles."

Ele acredita, entretanto, que uma edição acadêmica deve ser preparada -quando estiver perto do limite de 2015. "Não acho que o livro terá muita influência", diz ele. "É tão mal escrito, com tamanha confusão de idéias ilógicas, que qualquer leitor sensível simplesmente o joga de lado."

Tradução: Deborah Weinberg

2 comentários:

Unknown disse...

"Não acho que o livro terá muita influência", diz ele. "É tão mal escrito, com tamanha confusão de idéias ilógicas, que qualquer leitor sensível simplesmente o joga de lado."

Como eu gostaria que ele estivesse certo!!! E no entanto, essas idéias ilógicas, asnáticas mesmo, ainda conseguem defensores.

Pedro Leite Ribeiro disse...

Korn refere-se apenas a leitores sensíveis. Dos outros, muitos não sabem sequer ler. Alguém lê por eles.