segunda-feira, 2 de julho de 2007

Derrida?


por Thiago Cohen


“Há dois anos, durante uma conferência internacional em Jerusalém (cf. “Comment ne pas parler”, in Psyché, Inventions de l’autre, Galilée, 1987), eu propusera que o encontro programado para o ano seguinte tivesse como tema “Les institutions de l’interprétation” (As instituições da interpretação). Esse título foi aceito e o encontro, realizado em Jerusalém, de 5 a 11 de junho de 1988. O preâmbulo da conferência – cujo título, difícil de traduzir, mantive em Inglês – diz com que estado de espírito eu participei desse encontro – bem como de outros, simultaneamente, nos territórios ocupados, com colegas palestinos, fora de suas universidades então – e ainda agora – fechadas por decisão administrativa (de 15 de junho de 1988).”

As palavras acima pertencem a Jacques Derrida, e fazem parte de um livro chamado Le Voyage en Palestine (Viagem à Palestina) traduzido por Leneide Duarte-Plon. O referido livro, fala sobre uma viagem do Parlamento Internacional dos Escritores a região conhecida como Palestina. Dessa viagem, fizeram parte: Russel Banks, Breyten Breytenbach, Vincenzo Consolo, Bei Dao, Juan Goytisolo, Christian Salmon e Wole Soynka. Em anexo, às mensagens de Hélène Cixous e Jacques Derrida (que por motivos de saúde não pode acompanhar a delegação).

Alguns anos depois, o relato literário tomou a forma de um documentário chamado Écrivains des frontières (Escritores das fronteiras), que ilustrava – entre outras coisas – que campos de refugiados palestinos eram comparáveis a Auschwitz. O autor dessa frase dantesca é o escritor português José Saramago, prêmio Nobel de Literatura de 1998. Diga-se de passagem, o documentário Rota 181 - Fragmentos de Uma Viagem na Palestina-Israel, dos cineastas Eyal Sivan e Michel Khleifi é infinitamente melhor. É lamentável que uma expedição dessa magnitude tenha sido marcada por demonstrações gritantes de um anti-semitismo tosco, porem costumeiro entre os intelectuais modernos. Nas palavras do próprio Russel: “um bando de Jane Fonda indo visitar Ho Chi Minh”. Não poderia haver colocação mais apropriada.

A viagem foi motivada pela impossibilidade de Mahmoud Darwish, o maior poeta palestino, de se ausentar de sua terra para um encontro com seus colegas escritores que resolvem ver in loco o que se passa na Palestina. Não tardou até que uma iniciativa nobre com um viés soberbo se transformasse numa coletânea de textos coléricos.

Mas, voltando a Derrida, cuja origem judaica e inconteste. Não pude deixar de manifestar minha surpresa ao ler uma mensagem tão pobre em argumentos quanto a que foi escrita por ele. Para quem afirma que “esta declaração não é somente inspirada por uma preocupação de justiça e por amizade por palestinos e israelenses” suas explanações foram paupérrimas. Derrida deixa muito a desejar ao abordar uma questão demasiadamente complexa com uma superficialidade de fazer inveja a qualquer professor primário. No livro chamado La contreallée, Derrida diz ter anotado algumas lembranças. É datado de Jerusalém, Tel-Aviv, Ramallah, 11 de janeiro de 1998. Permitam-me reler alguns trechos:

“Confiança absoluta dessa vez, nós não evitamos nenhum assunto, desde as violências das origens, as expulsões, os campos de refugiados, até a sinistra maldição do arrogante “Netanyahu”. Mas também a impaciência deles diante da democratização insuficiente do poder palestino...”

Creio que os assuntos referentes aos campos, expulsões e etc., já foram por demais abordados ao longo dos anos. Hoje, historiadores e sociólogos do mundo inteiro tem uma visão muito diferente do que foi relatado por Derrida. Quanto a Netanyahu: apesar da controvérsia em torno do atentado na comemoração do seu 60° aniversário no Menachem Begin Centre no Hotel King David, foi dele a iniciativa de propor a formação do acordo de Wye River juntamente com Arafat. É bem verdade que a proposta foi um fiasco, pois Netanyahu falhou em implementar as medidas previstas no acordo de Oslo. Apesar da falha notória, não vejo arrogância nas ações do nosso querido Bibi.

Nas páginas que se seguem, Derrida faz um adendo é diz: “E também tenho prazer de relembrar o encontro com Mahmoud Darwish na Sorbonne, há alguns anos, em companhia de minha amiga de sempre Leila Shahid.”

Leila Shahid é uma intelectual respeitada pelos seus pares franceses, entre os quais fez grandes amigos como o filósofo Etienne Balibar, de origem judaica, além do prefeito socialista de Paris, Bertrand Delanoë. Ela participa ativamente de debates, entrevistas e encontros sobre Israel-Palestina e acompanhou o grupo do Parlamento Internacional dos Escritores que, em 2002, visitou a Cisjordânia e Gaza. Um detalhe pra lá de interessante é a participação de Leila no governo de Arafat. Ela era a delegada-geral da Palestina na França, um cargo de notável parcialidade.

Jacques Derrida vem sendo lido no Brasil, em momentos distintos e com estratégias diferenciadas, por intelectuais como Silviano Santiago, Haroldo de Campos e Leyla Perrone-Moisés, entre outros. Mas, para um homem que publicou mais de setenta livros, a superficialidade continua sendo um mal notabilíssimo. Só no ano de 2004 três periódicos de prestigio fizeram dossiês em sua homenagem, Magazine Littéraire, Europe e Cahiers de l'Herne. No mesmo ano, participou de um colóquio na cidade do Rio de Janeiro.

Conclui-se que estamos falando de um homem cujo peso das idéias e a relevância de seus préstimos é incalculável. Contudo, sua visão diminuta (ou seria ampla, porem marcada pela conveniência) não nos deixa outra conclusão, senão que, seus trabalhos estão sendo marcados pela vontade de sobressair-se frente a cruel e sensacionalista imprensa francesa. Resta-nos apenas lamentar pelo desperdício de tamanho potencial intelectual. Sobre essa ode que enaltece as características “colonizadoras” dos israelenses: resta-nos o comentário de outro filósofo, Martin Buber, nascido Mordechai Buber em Viena na Áustria.

“Os nossos não vêm aqui como colonizadores do Ocidente, com o objetivo de ter nativos trabalhando por eles; eles colocam seus ombros para arar e despendem sua força e seu sangue para fazer a terra frutificar. Mas não é só para nós que desejamos essa fertilidade. Os camponeses judeus começaram a ensinar a seus irmãos, os camponeses árabes, a cultivar a terra de maneira mais intensiva; desejamos ensiná-los ainda mais: queremos cultivar a terra junto com eles: servi-la, como se diz em hebraico. Quanto mais fértil se tornar esse solo, mais espaço haverá para nós e para

eles. Não temos qualquer desejo de despojá-los: queremos viver com eles. Não queremos dominá-los: queremos servir com eles...”.

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